Em 2005, o Campeonato Brasileiro foi manchado por um escândalo de manipulação
de jogos. O árbitro Edílson Pereira de Carvalho acabou banido do futebol, mas desde
então o país pouco fez para impedir que fatos dessa natureza voltem a
acontecer. Na Copa do Mundo de 2014, a Fifa mostrou grande preocupação com o
tema. E parece enfim ter ligado o alerta na CBF. Para o próximo ano, a
Corregedoria de Arbitragem da entidade implantará um canal dedicado a receber
denúncias. Quase uma década depois do episódio conhecido como "Máfia do
Apito", o Regulamento Geral de Competições passa a incluir um artigo
detalhado sobre o assunto, por sugestão da Procuradoria Geral do Superior
Tribunal de Justiça Desportiva. Este artigo lista condutas ilícitas e determina
que as entidades devem auxiliar informantes para inclusão em programas de
proteção.
A manipulação de resultados é o segundo
tema da série de reportagens do GloboEsporte.com sobre a arbitragem
brasileira. No primeiro dia, o assunto foi as altas notas das atuações dos árbitros na Série A do Brasileiro em relatório produzido anualmente pela Comissão Nacional dos Árbitros de Futebol (Conaf).
Edilson foi eliminado do futebol após se envolver no escândalo da "Máfia do Apito" (Foto: Ag. Estado)
Mesmo ainda sem o canal oficial para receber as informações, neste ano três
árbitros registraram denúncias de aproximação de pessoas com intuito de
manipular resultados. Duas delas se tornaram inquéritos em Minas Gerais,
segundo o corregedor de arbitragem e delegado aposentado da Polícia Federal,
Edson Rezende.
A terceira foi no Rio Grande do Norte. Em todos os casos, eram
árbitros das federações, que atuam nos principais campeonatos dos respectivos
estados, embora a aproximação tenha acontecido para interferir em partidas de
torneios de segundo e terceiro escalão. Uma das abordagens aconteceu perto da
entrada da sede da Federação Mineira e há indicativos de que foram feitas por
pessoas que convivem no meio do futebol.
- Surgiram suspeitas de fora para dentro. Pessoas ligadas ao esporte tentando
chegar e sugerir algumas situações para árbitros. Mas os árbitros comunicaram
de imediato a Corregedoria e a CBF, e o departamento jurídico de imediato
comunicou os órgãos de segurança pública. Inclusive inquéritos foram
instaurados.
Ocorreram duas situações em Minas Gerais e uma no Rio Grande do
Norte. Eram campeonatos paralelos que árbitros dos estados atuavam. Tinham
interesse nessas situações de escanteio, cartões e até no próprio resultado. No
caso de Minas, o cara foi abordado na saída da própria federação. Para o outro
foi através de telefone. No Rio Grande do Norte também foi pessoal. Em dois
casos a gente tomou conhecimento que foi instaurado inquérito, os árbitros
foram ouvidos - revelou Rezende.
Em seu relatório, o corregedor cita que "o mais preocupante é que tem
havido uma participação cada vez maior, nestas atividades, do crime organizado,
que tem utilizado todos os métodos possíveis, os mais perversos e cruéis
imagináveis a exemplo de ameaças, sequestros, corrupção, lavagem de dinheiro,
assassinatos, para obtenção dos objetivos pretendidos. (...) Quando tomamos
conhecimento dessas atividades, por vezes, sabemos apenas da ponta do
iceberg".
O relatório também cita o caso do Brasileiro de 2005, que ficou
conhecido como "Máfia do Apito". A curto prazo, o relatório sugere a
criação do canal aberto para denúncias e, posteriormente, já a médio prazo, propõe
a extensão das atividades para blindagem das competições com auxílio de órgãos
de segurança pública brasileiros, e representantes da Fifa e da Interpol.
Edson Rezende esteve em uma reunião neste ano na sede da Conmebol, em Assunção,
no Paraguai, sobre a manipulação de resultados, que contou com participação
ainda de representante da Interpol. Ele afirmou que a Fifa colabora com
informações que recebe de bolsas de apostas caso a partida em questão seja de
determinada federação.
- A Fifa está procurando incentivar todas as filiadas a tomar providências que
possam ajudar. Fiz um relatório, encaminhei para o Marco Polo (Del Nero) e ele
encaminhou uma cópia para todos os clubes. Também enviamos um ofício a todas as
federações alertando sobre essa possibilidade e caso houvesse qualquer
suspeita, por menor que fosse, não deixassem de tomar alguma providência. Se é
feita aposta de forma sadia, é o de menos. Mas essas máfias pelo mundo estão
entrando firme nessa questão de apostas, inclusive com ameaças. A Fifa tem
atuado de forma muito forte com isso. Vamos tentar aos poucos ir criando um
corpo e um canal de apoio ao torcedor. Em princípio, vamos receber as denúncias
e informar os órgãos competentes. Vamos colocar um canal próprio para que
qualquer um possa denunciar e também vamos divulgar o canal que a Fifa coloca à
disposição para isso - explicou Rezende.
O presidente da comissão de
arbitragem da CBF, Sérgio Corrêa, indagado se a CBF tem hoje informação de bolsas de apostas para
vigiar possíveis ameaças de manipulação de resultados por influência de
apostadores, reconheceu que não. Ele explicou que a entidade está se preparando
para melhorar essa estrutura.
- Não, ainda não (temos informações desse tipo aqui). Se eu falar para você
(que sim), é mentira. Estamos nos preparando para isso. Nessa palestra que
fizemos, no workshop, falamos disso. Tem um jogador da Itália, na Série B, que
está no programa de proteção de testemunha. O negócio é grande. Eles apostam
cor de camisa de árbitro, bola na trave, quem vai cobrar primeiro lateral.
O
procurador-geral do STJD, Paulo Schmitt, afirmou que a Procuradoria mantém
equipes permanentes com foco em casos de doping e manipulação de resultados. Na
sua análise, os casos mais comuns no Brasil são da "mala branca",
quando alguém oferece dinheiro para motivar uma a equipe vencer uma determinada
partida pela qual não tem grande interesse.
- Mantemos equipes permanentes em matéria de doping e "match fixing",
e são temas recorrentes na Escola Nacional de Justiça Desportiva. Fui
pessoalmente à sede da Fifa para, ainda que em reunião não oficial, tratar do
assunto e iniciar estudos aprofundados para combate da manipulação de
resultados. O máximo que temos hoje é a chamada mala branca, mas temos de nos
proteger de algo muito pior.
Confira o novo artigo 50 do Regulamento Geral de Competições da CBF que passa a
valer em 2015:
Artigo 50:
Com o objetivo de evitar ou dificultar a manipulação de resultado de partidas,
considerar-se-á conduta ilícita praticada por atletas, técnicos, membros da
comissão técnica, dirigentes e membros da equipe de arbitragem, os seguintes comportamentos:
I - apostar em si mesmo, ou permitir que alguém do seu convívio o faça
(treinador, namorada, membros da família, etc.), em seu oponente ou em partida
de futebol;
II - instruir, encorajar ou facilitar qualquer outra pessoa a apostar em partida
de futebol da qual esteja participando;III - assegurar a ocorrência de um acontecimento particular durante partida de futebol da qual esteja participando e que possa ser objeto de aposta ou pelo qual tenha recebido ou venha a receber qualquer recompensa;
IV - dar ou receber qualquer presente, pagamento ou outro benefício em circunstâncias que possam razoavelmente gerar descrédito para si mesmo ou para o futebol;
V - compartilhar informação sensível, privilegiada ou interna que possa assegurar uma vantagem injusta e acarrete a obtenção de algum ganho financeiro ou seu uso para fins de aposta;
VI - deixar de informar de imediato à sua entidade de prática ou de administração, ou a competente autoridade desportiva, policial ou judiciária, qualquer ameaça ou suspeita de comportamento corrupto, como no caso de alguém se aproximar para perguntar sobre manipulação de qualquer aspecto de uma partida, ou mediante promessa de dinheiro ou favores em troca de informação sensível.
Parágrafo Único - As entidades regionais de administração e de prática desportiva deverão auxiliar atletas, técnicos, membros de comissão técnica, dirigentes e membros de equipe de arbitragem que denunciarem quaisquer práticas ou tentativas de manipulação de resultados visando, nos termos da Lei nº 9.807/99, a sua inclusão em programas especiais de proteção de vítimas de ameaças ou testemunhas de crimes que estejam coagidas ou expostas a grave ameaça em razão de colaborarem com a investigação ou processo criminal.
Por Raphael Zarko e Vicente Seda - Globo Esporte Rio de Janeiro
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