Pode-se
dizer que Silvio Luiz, que hoje completa 80 anos de vida, mais de 60 de
carreira, é, fazendo uso de um termo que se tornou frequente no meio
futebolístico, um mito. Ele viveu a era de ouro dos festivais de MPB na
TV Record, foi um dos primeiros repórteres de campo da televisão
brasileira, foi ator, humorista, candidato a presidente da Federação
Paulista de Futebol e até árbitro. “Quando era repórter da Rádio
Bandeirantes, resolvi fazer o curso de arbitragem para me informar e me
infiltrar no meio deles. Por 12 anos apitei jogos tendo inclusive feito
parte do quadro nacional apitando e bandeirando alguns jogos da Série
A”, conta.
Silvio já teve que sair de camburão de um estádio em Bauru
(SP) quando o time da casa perdeu um jogo, narrou uma partida vestindo
apenas cueca, desceu a Avenida Brigadeiro Luiz Antônio – uma das
principais de São Paulo – de charrete e foi convidado para um café com o
Presidente da República, na época, Itamar Franco. Sua voz, de timbre
inconfundível, já esteve em nove Copas do Mundo, diversos Jogos
Olímpicos e inúmeras emissoras de rádio e TV do país. O Mundial mais
especial foi o da Espanha, em 82: “Transmitimos pelo rádio da mesma
forma como se fosse para a TV. A campanha era: ‘Abaixe o som da TV e
ouça a Rádio Record’’’, lembra.
Hoje, além de estar no programa
Bola Dividida, da RedeTV!, e na Rádio Transamérica, está no Waze,
aplicativo de trânsito e navegação, na franquia de jogos de futebol para
videogames Pro Evolution Soccer, em propagandas que vão de refrigerante
a material de construção, e até na música, com ‘’Futebol, Mulher e
Rock’n roll”, da banda de hard rock Dr. Sin. No entanto, o vozerio e os
célebres bordões, como ‘’Pelas barbas do profeta’’, ‘’Pelo amor dos meus
filhinhos, entre outros, não estiveram onde o público mais gostaria que
tivessem estado: na Copa do Mundo do Brasil.
Copa no Brasil
O
narrador, que já tinha ficado de fora do Mundial da África do Sul, em
2010, por ter postado na internet a foto de uma cadeira quebrada do
programa que apresentava no canal Bandsports, devido ao vínculo com a
sua atual emissora, que não detém os direitos de transmissão da
competição, não foi liberado para aceitar o convite da Fox Sports para
participar do que seria seu décimo Mundial, mas só revelou chateação com
um dos episódios. “Evidente que há mágoa em relação a 2010 e à falta de
diálogo e a incompetência de quem dirigia a emissora por não ter me
chamado e indagado se a postagem de uma cadeira quebrada – reclamada por
mais de três meses – tinha sido feita por mim, já que no Twitter,
naquela oportunidade, existiam muitos ‘Silvio Luiz’. No segundo caso, a
Fox queria me prestar uma homenagem me convidando, mas entendi a
negativa, uma vez que tenho um contrato com a emissora”.
Até uma campanha na internet foi feita neste ano
com a hashtag #NarraSilvio e chegou a ficar entre os assuntos mais
comentados do Twitter, onde o locutor é atuante e é possível ter uma
ideia de sua popularidade pelos 540 mil seguidores que tem. “Silvio é o
mais futebolístico de todos os narradores esportivos”, define o
jornalista e escritor Wagner William, autor do livro ‘’Olho no Lance”,
espécie de biografia de Silvio, lançado em 2002. “Ele criou uma
linguagem própria, quebrou padrões, era o futebol como o futebol deveria
ser, divertido, leve e engraçado. Um estilo que chegou e marcou: o
narrador estava do nosso lado, ali no sofá, disparando comentários
ácidos e bem-humorados. Existe algo que não combine mais com futebol do
que paletó e gravata? Enquanto os boleiros e técnicos se tornavam
superstars, Silvio era a subversão: a arquibancada dominava o
microfone”, ressalta o escritor.
No final das contas, Silvio, que
já se definiu como um ‘’legendador de imagens’’ mais que um narrador –
por entender que não precisa dizer ao telespectador aquilo que ele pode
ver com seus próprios olhos, ‘’então, procuro na imagem que vejo um
detalhe, como em uma foto, e dou uma legenda para aquilo” – não traduziu
as emoções do torneio disputado pela segunda vez no Brasil. Crítico da
realização do evento desde seu anúncio, não mudou seu ponto de vista até
o fim.
“Continuo com a mesma opinião. O trem-bala e outras
promessas foram cumpridas? Os gramados conseguiram suportar o torneio
todo? Os estádios ficaram prontos no tempo combinado? Os entornos dos
estádios foram reformados? Veja você mesmo o que foi e o que não foi
feito dos encargos da FIFA. Tivemos ingressos falsificados? Os preços
eram compatíveis com o padrão de vida da nossa população? O dinheiro
gasto foi só da iniciativa privada ou saiu do seu e do meu bolso? Você
ainda acredita que uma Copa não se faz com hospitais?”, pondera. As
críticas respingam ainda no fracasso da seleção brasileira dentro de
campo e na reformulação estrutural do futebol brasileiro, que é pedida
com mais veemência desde então. ‘’Não vai mudar nada. Pode mudar o bolo,
mas as moscas serão as mesmas”. Numa possível saída de Felipão do
comando da equipe, Silvio é a favor de ao menos uma mudança, ainda que
seja simples. “Importaria algum técnico. Os nossos estão ultrapassados
no tempo e espaço”, aponta.
Futuro sombrio do futebol brasileiro
Com
a experiência de décadas, o lendário jornalista, que considera
‘’trágico’’ o futebol jogado nos campeonatos do país atualmente e
acredita que os jogadores do movimento Bom Senso terão que brigar muito
para serem atendidos em suas reinvindicações, demonstra preocupação com o
futuro do jornalismo esportivo. A seu ver, os jovens da profissão, além
de não lerem mais, correm para o computador, pesquisam e já têm a
resposta para tudo; e com a mesma rapidez com que a informação lhes
chega, ela se vai.
Outro motivo de inquietação se deve a uma
iniciativa que o ‘’belo e saudoso companheiro‘’ Luciano do Valle ajudou a
propagar: a participação de ex-jogadores nas transmissões. “É uma
lástima. O jornalista faz faculdade, paga pelo curso, ganha o seu
diploma na formatura, procura emprego no mercado e não encontra, já que
ex-jogadores estão no lugar dele e muitas vezes sem conhecimento nenhum
do nosso vernáculo e sem qualidade de voz. Essa moda foi lançada há
muito tempo pelo Luciano do Valle, na Bandeirantes, para abrilhantar as
transmissões. Ele os chamava de ‘convidado especial’. Aí eles foram
chegando, chegando e chegaram. Estes que estão aí hoje poderiam
perfeitamente cursar uma faculdade de jornalismo, tirar seus diplomas e
prosseguir na profissão; não estarem como ‘paraquedistas’”, afirma.
Sobre
o comum julgamento de que os jogadores dão sempre as mesmas respostas
nas entrevistas, o narrador opina que antigamente os perguntadores eram
mais inteligentes e mais bem preparados, e diz sentir “muita falta” de
jogadores mais autênticos, menos politicamente corretos e até mais
rebeldes que, de um modo ou de outro, acabam colaborando com o seu
trabalho e suas tiradas espirituosas.
A essa altura da vida,
Silvio Luiz não se arrepende de nada do que tenha feito e diz se sentir
uma pessoa completamente realizada. Mas, e quanto à Copa do Mundo da
Rússia em 2018? “Estou fazendo 80 anos. Se conseguir viver até lá, tiver
algum convite e pagar bem, por que não?”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário