segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Dez anos que mudaram a vida do nortista Weverton. Do violento bairro Bahia, no Acre, ao gol da Seleção Olímpica. Uma vitória sobre o preconceito. De brasileiros em relação a outros brasileiros…


Brasília...
Por trás de toda a alegria pela convocação para ser o goleiro titular do Brasil na Olimpíada, há vários aspectos sombrios do futebol. O principal deles, o preconceito. O goleiro, que nasceu no Acre, revela que, por sua origem, precisou demonstrar muito mais do que outros companheiros.
"A gente corre mais na subida. Quem está no centro, corre na reta. Nós, do Norte, temos que provar mais, mostrar ser mais capaz que os demais..."

Ele nasceu em Rio Branco. Morava na periferia da cidade. No violento bairro Bahia. Alguns amigos de sua infância pobre acabaram até atraídos pela vida no crime.
Weverton viu no futebol o caminho para sua ascensão social. Tinha na cabeça que seria atacante na escolinha de futebol de um ex-jogador chamado Francisco Teles. Tinha 11 anos. Um dia, o goleiro faltou. E ele mostrou uma aptidão nata. Illimani Suarez, que ja foi presidente do Rio Branco, o levou para a base do Juventus acreano.

O goleiro foi o grande destaque do Juventus na taça São Paulo de 2006. O Corinthians o contratou. Chegou ao clube com 19 anos. Mal poderia imaginar o quanto sua vida mudaria em dez anos.
Sofreu muito nas mãos de Mano Menezes. Fazia grandes treinos, mas não conseguiu romper a barreira. O treinador não gostava do seu futebol. Preferia apostar em Júlio César e Felipe.
Mano foi além. Decidiu promover Rafael Santos, goleiro que nasceu na base do Corinthians, para seu terceiro goleiro. E Weverton passou a ser o quarto, sem o menor prestígio. Quem atuou com Mano Menezes sabe que ele não admite ser questionado por jogadores. Nem os titulares. Quanto mais o acreano reserva do reserva do reserva.

Vale a pena destacar a origem dos goleiros que estavam à sua frente, na época. Felipe, hoje goleiro do Bragantino, é carioca. Júlio César, no Náutico, é paulista. Rafael Santos, nasceu em Barretos, São Paulo. E hoje é goleiro do Tupi de Minas Gerais. Por coincidência, nenhum da região Norte.


 Weverton sentiu na pele o preconceito, a falta de oportunidade. Primeiro quis voltar para o Acre por uma namorada. Mas depois, estava desestimulado no Corinthians. Só não largou tudo por causa de sua mãe Jose.
"Eu não tive pai. Minha mãe me sustentou e aos meus irmãos, como empregada doméstica. Meu avô ajudava, mas ela precisava trabalhar nas casas dos outros para nos sustentar. Eu havia prometido para mim mesmo que iria tirá-la daquela vida. Foi o que me fez suportar tudo. E hoje, na Seleção Brasileiro, a minha maior alegria é a felicidade dela. Só nós sabemos o que suportamos para eu chegar aqui", me diz Weverton, após sua coletiva de apresentação em Brasília.
Ele revela que sua mãe só deixou de ser empregada doméstica há seis anos. O motivo? Os salários baixos do goleiro acreano. Desprezado por Mano, foi emprestado para o Remo, Oeste de Itápolis, América do Rio Grande do Norte e Botafogo de Ribeirão Preto.
Em 2010, a Portuguesa ainda era um clube financeiramente estruturado. E o contratou. Foi aí que teve condições de avisar sua mãe que poderia deixar de ser doméstica. O goleiro assumiu o controle financeiro da família.
Desde então ajuda a mãe, que mora agora em Curitiba, os dois irmãos e seis sobrinhos. Tudo graças ao bom salário que recebe no Atlético Paranaense.
Lá em Curitiba se firmou. Disputou mais 200 partidas como titular. E se tornou capitão do time. Aprendeu a ser líder. Foi com firmeza que enfrentou a imprensa nacional que cobrirá o time olímpico.


"Um orgulho, Deus faz tudo no tempo dele, na hora certa. Se não foi para jogar no Corinthians é porque não era o momento, eu tinha que ser campeão na Portuguesa, e se cheguei à Seleção é porque estou preparado para isso.
Estou tranquilo, sei que a responsabilidade é enorme, mas estou preparado para isso. Sei da importância que o Prass tinha para a seleção, é uma fatalidade, lamento, mas cada um tem que procurar fazer sua história. É a oportunidade do grupo de fazer história, temos que começar dessa forma, todos são importantes e são soluções para o problema que temos, que é ganhar essa medalha."
Bem orientado, fez questão dizer que foi o goleiro que mais pegou pênaltis no Brasil, no ano passado. "Foram quatro cobranças", destaca. Seu rendimento melhorou com a idade.
A sua convocação tem tudo a ver com Tite. Ele ficou encantado com a sua atuação contra o Cruzeiro, neste Brasileiro. A partida foi em Belo Horizonte. E o Atlético Paranaense, apesar de tomar sufoco, venceu por 3 a 0.
Além das defesas naquela partida, Weverton mostrou outra qualidade que impressionou o treinador da Seleção Brasileira. Jogou muito bem com os pés. Como Paulo Autuori gosta que seu time faça uma marcação alta, o goleiro se tornou quase um líbero.
Encaixa no que Micale busca na Seleção.
Diego Alves e Alisson tem mais qualidades técnicas do que Weverton. A CBF revela oficialmente que conseguiu a liberação do Valência e da Roma. Mas houve a preferência pelo goleiro acreano. O motivo pode estar ligado à perda de mais tempo para a apresentação. E pelo fato de os dois jogadores estarem apenas recomeçando a temporada, vindos de férias. Weverton está em plena forma.



A bem da verdade, é quase uma insanidade chegar o goleiro titular do Brasil na Olimpíada faltando três dias para a estreia, contra a África do Sul. Pergunto como será o entrosamento, atuar como líbero com atletas com os quais nunca jogou e nem treinou. O posicionamento em bolas paradas, escanteios, faltas. Saída de bola. Orientação para o impedimento. Tudo isso leva meses para ficar alinhado.
"Eu realmente nem imaginava ser convocado no lugar do Fernando Prass. Não sabia mesmo. Vou ter de aproveitar todo o tempo para conversar muito com meus companheiros de Seleção. Descobrir como jogam. Acertar posicionamento. Não temos tempo para muitos treinos. A saída será conversar", admite.
Weverton deu sua coletiva no sofisticado hotel Windsor. Atrás dele, uma oportuna bandeira imensa do Brasil. Prato cheio para os fotógrafos.
Tudo ia bem, até que ficou muito melhor.
Um deles pediu.
Quis que apontasse a estrela que representava Acre.
Com todo orgulho, Weverton apontou e sorriu.
Só ele sabia o que sofreu para chegar onde chegou.
Nos dez anos que o futebol mudou sua vida.
E a mudança pode ser ainda maior.
Tite segue fascinado pela maneira que atua.
Dependendo do que fizer nesta Olimpíada...
O goleiro da Seleção principal do Brasil pode ser um nortista.
Um acreano, de Rio Branco, do bairro Bahia...

Por Cosme Rímoli

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